Pesquisa revela percepção dos consumidores brasileiros sobre rotulagem nutricional de alimentos

Semáforo, lupa, círculo, triângulo e octógono, pretos ou coloridos. Os alertas nutricionais frontais em alimentos industrializados foram implementados em vários países do mundo e estão prestes a serem adotados no Brasil. Para subsidiar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no processo de revisão do marco regulatório de rotulagem nutricional, uma equipe de cientistas realizou uma pesquisa com o público brasileiro. O trabalho foi feito pela Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) em parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e com a Universidad de la República (Udelar) do Uruguai, a partir de um edital conjunto aberto pela Anvisa e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 

Coordenado pela pesquisadora da Embrapa Rosires Deliza, o estudo buscou investigar o efeito de diferentes modelos de rotulagem nutricional na percepção do consumidor brasileiro sobre a saudabilidade de alimentos industrializados. Foram usados diversos padrões de rotulagem frontal empregados em outros países (imagens abaixo). Os resultados foram publicados na revista científica internacional Food Quality and Preference (2020), sob o título “How do different warning signs compare with the guideline daily amount and traffic-light system?


  • Cientistas avaliaram com consumidores quais esquemas de rotulagem são mais eficazes para informar a composição dos alimentos.

  • Nova rotulagem pode estimular a produção de alimentos mais saudáveis.

  • Resultados são capazes de subsidiar políticas públicas e orientar indústria de alimentos.

  • Rotulagem eficaz pode impactar na redução de doenças relacionadas à má alimentação, como diabetes, hipertensão e obesidade.

 

Pesquisa testou eficádia de diferentes tipos de rotulagem

Em síntese, as conclusões apontam que o uso de sinais familiares frequentemente usados para transmitir uma mensagem de alerta - como o octógono preto, triângulo preto e círculo vermelho - podem superar outros sinais gráficos desconhecidos, devido à capacidade de facilitar a interpretação das informações nutricionais pelos consumidores. E, em relação à cor, os sinais pretos parecem exigir menos tempo para serem detectados quando incluídos nos rótulos coloridos dos alimentos, em comparação com os sinais vermelhos, por exemplo (veja os resultados no quadro abaixo).

Apoio às políticas públicas

De acordo com a cientista da Embrapa, o estudo reforça as vantagens dos alertas frontais dos rótulos, fato que tem sido confirmado por outros trabalhos de pesquisa. Os resultados obtidos fornecem subsídios para políticas públicas alimentares e decisões gerenciais de indústrias de alimentos. Para a pesquisadora, as novas regras de rotulagem nutricional frontal podem estimular a indústria no Brasil a entregar alimentos mais saudáveis, uma vez que os consumidores estarão mais atentos para produtos com alto teor de sódio, açúcar e gordura, por exemplo. “A engenharia de alimentos, além da preocupação com a questão tecnológica, já vem adotando um olhar mais sistêmico, voltado para a saúde dos consumidores, e a tendência com a nova regulamentação é que ampliem essa prática”, aponta. 

No processo de revisão da rotulagem nutricional, a Anvisa conta com a participação da sociedade civil. Além do estudo realizado na Embrapa, a Agência cumpre um cronograma de atividades com órgãos de governo, associações e entidades do setor produtivo e da sociedade civil, representações dos profissionais de saúde, conselhos, universidades, laboratórios e de organismos internacionais. 

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) também subsidiou a Anvisa com uma pesquisa on-line com consumidores brasileiros, que comparou os modelos de rotulagem nutricionais frontais. Os dados indicaram que cerca de 80% dos participantes conseguiu identificar corretamente qual era o alimento mais saudável, a partir dos rótulos de advertência em formato de triângulos. Já com o modelo de lupa, escolhido pela Anvisa, apenas 64% conseguiram responder corretamente. “Entendemos que a Anvisa buscou escolher um modelo baseado em evidências científicas, sem provocar tanta resistência da indústria alimentícia”, afirma Ana Paula Bortoletto, coordenadora do Programa de Alimentação Saudável do Idec.

Os órgãos de defesa do consumidor Idec e Proteste apoiam a iniciativa da Anvisa de alterar a regulamentação de rotulagem nutricional de alimentos, estabelecida há quase 20 anos no País. “Os rótulos aqui no Brasil possuem limitações por serem muito técnicos, complicados e pouco transparentes para o consumidor, uma vez que exigem conhecimento nutricionais avançados para seu entendimento”, afirma Bortoletto, frisando que a maioria das informações relevantes, como a lista de ingredientes, estão escondidas nos produtos ou são apresentadas com letras muito pequenas. 

Os especialistas ressaltam, no entanto, que a solução dessa questão não é fácil, uma vez que há diferentes modelos adotados em diversos países do mundo e não há consenso. “É um grande desafio encontrar uma forma de se comunicar de maneira mais clara e didática. O consumidor, em geral, tem dificuldade de entender as informações dos rótulos de alimentos e não sabe fazer diferenciações entre os produtos”, avalia a coordenadora do Centro de Competência de Saúde da Proteste, Pryscilla Casagrande. O resultado desse comportamento, segundo ela, pode ser observado no número crescente de doenças crônicas decorrentes da má alimentação no Brasil e no mundo, como hipertensão e diabetes.

Consultas públicas

 A Anvisa abriu em 2019 duas consultas públicas para avaliar o modelo da lupa para rotulagem nutricional frontal de alimentos, escolhido inicialmente: 707 – Proposta de Resolução da Diretoria Colegiada, que dispõe sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados, e 708 – Proposta de Instrução Normativa, que estabelece os requisitos técnicos para a declaração da rotulagem nutricional nos alimentos embalados.

Obesidade no Brasil

Segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o excesso de peso e a obesidade são encontrados com grande frequência, a partir de cinco anos de idade, em todos os grupos de renda e em todas as regiões brasileiras. “O Brasil precisa reagir, de forma rápida, já que bilhões de reais são gastos anualmente em saúde pública e milhares de pessoas adoecem ou morrem em decorrência de más escolhas alimentares”, adverte a representante da Proteste.  Uma das primeiras medidas a serem adotadas seria então a aprovação da nova norma rotulagem nutricional pela Anvisa.

 

Para os órgãos de defesa do consumidor, o modelo proposto pela Anvisa traz avanços como o estabelecimento de indicação nutricional padrão por 100 gramas, o que facilita a comparação nutricional dos produtos pelos consumidores. Tanto o Idec como o Proteste estão dispostos a realizar um monitoramento contínuo de sua efetividade, especialmente quanto à advertência de excesso de nutrientes pela lupa, e sugerir ajustes, se necessário. “Qualquer novo modelo estabelecido pela Anvisa precisará de ajustes, e estamos dispostos a realizar esforços conjuntos, pois a saúde do consumidor deve estar em primeiro lugar”, conclui Casagrande.

 

Rotulagem nutricional frontal: a percepção do consumidor brasileiro

A pesquisa coordenada pela pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos foi dividida em duas fases. A primeira, iniciada em março de 2019, avaliou o tempo de captura e de processamento das informações constantes nos rótulos de alimentos por consumidores brasileiros. Um total de 62 pessoas, com idade entre 18 e 60 anos, sendo 66% mulheres, realizou duas tarefas de busca visual. Na primeira, os participantes receberam imagens de rótulos de alimentos que foram apresentados na tela de um computador. Foi solicitado que os participantes indicassem se o rótulo continha ou não um esquema de rotulagem nutricional frontal. Na segunda tarefa, os participantes foram solicitados a indicar se o rótulo correspondia a um produto com alto teor de açúcar, gordura ou sódio. 

Um total de 224 rótulos foi utilizado como estímulo em sete esquemas: % VD - Valores diários, em uso atualmente no Brasil; semáforo; lupa preta; lupa vermelha; círculo vermelho; octógono preto; e triângulo preto. Foram trabalhadas oito categorias de produtos: bolo; néctar de laranja; lasanha congelada; barra de cereal; cereal matinal; achocolatado; iogurte; e salgadinho de milho.

O resultado da primeira fase indicou que os participantes precisaram de um tempo mais longo para identificar a presença do esquema de rotulagem quando a embalagem continha o círculo vermelho, seguido pela %VD. O tempo de resposta não diferiu muito para os demais esquemas, embora o mais curto tenha sido para o triângulo preto, ou seja, o triângulo preto foi visto mais rapidamente. Em relação à tarefa de indicar corretamente o produto com alto teor de açúcar, gordura ou sódio, os consumidores precisaram de mais tempo para a %VD e os menores tempos foram verificados para as embalagens com o octógono preto e triângulo preto.

A segunda parte da pesquisa utilizou um questionário on-line respondido por 1.932 consumidores brasileiros com mais de 18 anos, recrutados por uma agência de marketing especializada na coleta de dados de consumidores. A amostra representou diversidade em termos de idade, gênero, nível socioeconômico e região do País onde os participantes moravam. O objetivo dessa etapa foi avaliar a interpretação dos consumidores sobre diferentes esquemas de rotulagem adotados no mundo nas mesmas oito categorias de produtos usadas na primeira fase. 

Inicialmente, os participantes foram convidados a imaginar que estavam no supermercado. Três embalagens de cada uma das oito categorias de produtos foram mostradas, sendo solicitado aos participantes indicar o produto mais saudável. Na tarefa seguinte, duas versões de bolo, néctar de laranja e lasanha congelada foram avaliadas em escala de sete pontos, em que um representa “nada saudável”, e sete “muito saudável”. Na terceira atividade, os consumidores foram solicitados a identificar o nutriente cujo conteúdo estava acima das recomendações nutricionais em termos de açúcar, sódio e gordura para as mesmas três categorias de produto (bolo, néctar de laranja e lasanha congelada). Após completar as três tarefas, os participantes escreveram suas impressões sobre os esquemas de informação da composição nutricional de alimentos. 

O sistema %VD (tabela nutricional) possibilitou o menor número de respostas corretas, enquanto o semáforo nutricional e os modelos de alertas círculo vermelho, triângulo preto e octógono preto obtiveram o número mais elevado de respostas corretas. “Observamos que a capacidade de o consumidor identificar o produto mais saudável entre as alternativas apresentadas foi significativamente afetada pela categoria do produto, o seu tipo e esquema de rotulagem nutricional, bem como suas interações, e que o atual modelo adotado no Brasil é o menos efetivo”, resume Deliza.

Arte: Marcos Moulin

 

 

Aline Bastos (MTb 31.779/RJ)
Embrapa Agroindústria de Alimentos

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