Foto: Claudio Capeche |
Ameaças
como erosão, compactação e perda da matéria orgânica, entre outros,
atingem quase um terço das terras do planeta. Amplo estudo envolvendo
600 pesquisadores de 60 países mostrou que mais de 30% dos solos do
mundo estão degradados. Coordenado pela Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o trabalho publicou seus
resultados no livro ‘Estado da Arte do Recurso Solo no Mundo' (Status of the world´s soil resources) e se baseou em mais de duas mil publicações científicas no tema.
O Relatório traz uma perspectiva global sobre as condições atuais do
solo, seu papel na prestação de serviços ecossistêmicos, como produção
de água e sequestro de carbono, bem como sobre as ameaças à sua
contribuição para a produção desses serviços. Segundo a pesquisadora da
Embrapa Solos Maria de Lourdes Mendonça Santos Brefin, membro do comitê
editorial e coordenadora da publicação para a América Latina e Caribe, a
perspectiva é de que a situação possa piorar se não houver ações
concretas que envolvam indivíduos, setor privado, governos e
organizações internacionais. "A principal conclusão do livro não é boa. A
degradação dos solos no mundo é muito alta e pode trazer consequências
desastrosas nas próximas décadas para milhões de pessoas nas áreas mais
vulneráveis", revela a pesquisadora.
"Essas
quatro ameaças têm a mesma origem: a exploração cada vez maior do solo
por parte do ser humano, geralmente combinada com as mudanças
climáticas", afirma Miguel Taboada, diretor do Departamento de Solos do
argentino Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA).
Mais de 10% em perdas agrícolas até 2050
Perdas anuais de culturas causadas por erosão foram estimadas em 0,3%
da produção. Se o problema continuar nesse ritmo, uma redução total de
mais de 10% poderá acontecer até 2050. A erosão em solo agrícola e de
pastagem intensiva varia entre cem a mil vezes a taxa de erosão natural e
o custo anual de fertilizantes para substituir os nutrientes perdidos
pela erosão chega a US $ 150 bilhões.
Outro
problema que ameaça o solo é sua compactação, que pode reduzir em até
60% os rendimentos mundiais das culturas agrícolas. "No mundo, a
compactação tem degradado uma área estimada de 680.000 km2 de
solo, ou cerca de 4% da área total de terras", revela Maria de Lourdes,
que também compõe o grupo de 27 especialistas do Painel Técnico
Intergovernamental do Solo (ITPS) da Organização das Nações Unidas. O
pisoteio dos rebanhos e a cobertura insuficiente do solo pela vegetação
natural ou pelas culturas são responsáveis pela compactação de 280.000
km2 na África e Ásia, uma área maior do que o território da Nova Zelândia.
Os danos causados pela compactação do solo são de longa duração ou
mesmo permanentes. Uma compactação que aconteça hoje pode levar à
redução da produtividade das culturas até 12 anos mais tarde.
No entanto, o maior obstáculo para melhorar a produção de alimentos e
as funções do solo em muitas paisagens degradadas é a falta de
nutrientes, especialmente nitrogênio e fósforo, bem como insumos
orgânicos. Toda a África, à exceção de três países, retira mais
nutrientes do solo a cada ano do que é devolvido por meio do uso de
fertilizantes, resíduos da produção, estrume e outras matérias
orgânicas.
Em outras áreas, a oferta excessiva
de nutrientes contamina o solo e os recursos hídricos e contribui para
as emissões de gases de efeito estufa. Em 2010, as emissões de óxido
nitroso dos solos agrícolas provocadas pela adição de fertilizantes
sintéticos foram equivalentes a 683 milhões de toneladas de CO2.
Microrganismos em risco
De acordo com o Relatório, cerca de 25% de todas as espécies vivas
residem no solo. Um metro quadrado de solo contém bilhões de organismos e
milhões de espécies. Fungos e bactérias, por exemplo, decompõem a
matéria orgânica do solo, controlam a dinâmica do carbono orgânico e
tornam os nutrientes disponíveis para as plantas.
A biodiversidade do solo é ameaçada pela intensificação do uso da terra
e pelo uso de fertilizantes químicos, pesticidas e herbicidas.
Calcula-se que 56% da biodiversidade do solo da União Europeia esteja
sob algum tipo de ameaça.
Pesquisa e legislação são a solução
O livro não aponta só os problemas. O relatório mostra caminhos sobre
como lidar com essas ameaças ao solo, tanto no âmbito de políticas
públicas como trazendo recomendações técnicas.
Para interromper a degradação do solo é necessário focar em quatro
pilares definidos pela União Europeia: aumento do conhecimento,
pesquisa, integração da proteção do solo na legislação existente e um
novo instrumento legal (lei). "Um bom exemplo de instrumento legal é o
Ato de Conservação do Solo, promulgado em 1935, nos Estados Unidos",
revela o italiano Luca Montanarella, cientista do Centro Conjunto de
Pesquisa da União Europeia. "O Ato reverteu a tendência negativa de
erosão massiva no Meio-Oeste americano nos últimos 80 anos," diz.
Especialistas afirmam que os instrumentos legais precisam ser
reforçados pelo aumento das atividades de conscientização e educação,
assim como é preciso reforçar o investimento em pesquisa e tecnologias
de recuperação. Para eles, desenvolver essa estratégia pode reverter a
tendência de degradação do solo no mundo e deve ser o objetivo para o
manejo sustentável da terra.
"De acorco com o
relatório, existe evidência de que a humanidade está perto dos limites
globais para fixação total de nitrogênio e os limites regionais para o
uso de fósforo", diz Maria de Lourdes. "Portanto, devemos agir para
estabilizar ou reduzir o uso desses fertilizantes de maneira geral,
priorizando as regiões com deficiência de nutrientes". De acordo com a
cientista da Embrapa, aumentar a eficiência do uso de nitrogênio e
fósforo pelas plantas e conhecer a fertilidade dos solos é um requisito
fundamental para atingir esse objetivo.
A
publicação recomenda oito técnicas para evitar a degradação do solo:
minimizar o revolvimento, evitando a colheita mecanizada; aumentar e
manter uma camada protetora orgânica na superfície do solo, usando grãos
de cobertura e resíduos desses grãos; cultivo de uma grande variedade
de espécies de plantas – anuais e perenes − em associações, sequências e
rotações que podem incluir árvores, arbustos, pastos e grãos; usar
espécies bem adaptadas para resistir aos estresses bióticos e abióticos e
com boa qualidade nutricional, plantadas no período apropriado;
aumentar a nutrição dos grãos e a função do solo, usando rotação de
grãos e uso criterioso de fertilizantes; assegurar o manejo integrado de
pestes, doenças e sementes usando práticas apropriadas e pesticidas de
baixo risco quando necessário; gerenciamento correto do uso da água e,
por último, controlar as máquinas e o tráfego nas propriedades a fim de
evitar a compactação. Essas oito práticas combatem com eficiência a
erosão, o desequilíbrio de nutrientes, a perda de matéria orgânica e a
compactação.
Painéis internacionais
O Painel Técnico Intergovernamental do Solo (ITPS) ainda é um painel
pouco conhecido quando comparado a outros como o de mudanças climáticas
(IPCC) ou o de desertificação (UNCCD). Os cientistas da área pretendem
que o painel sobre o solo tenha uma interação maior com os demais a fim
de incluir de forma clara e definitiva o recurso solo nas discussões
sobre segurança alimentar, mudanças climáticas, conservação de
biodiversidade, etc.
Está programado, para
março de 2017, em Roma, um Workshop entre o ITPS e o IPCC a fim de
incluir, de forma mais direta, a terra e seus indicadores nas questões
de mudanças climáticas, em alinhamento com a última Conferência do
Clima, em Paris, na qual ficou evidenciado o papel da agricultura como
próximo foco para os países trabalharem a redução de suas emissões.
"O solo é responsável e também afetado pelas mudanças climáticas",
revela Miguel Taboada. "Ele é responsável pelo seu papel nas emissões de
gás de efeito estufa, como dióxido de carbono, óxido nitroso e metano. O
lado positivo é que o solo pode mitigar as emissões desses gases,
armazenando carbono e apoiando as plantações florestais nele feitas",
completa.
A elevação da temperatura leva a
níveis maiores de mineralização e à diminuição do carbono orgânico no
solo. Por sua vez, uma concentração crescente de gás carbônico
atmosférico pode aumentar a fotossíntese das plantas, elevando,
consequentemente, o sequestro de carbono. Para completar o ciclo,
mudanças climáticas aumentam a ocorrência de tempestades, secas e
inundações. "Os solos são afetados por esses eventos extremos, na forma
da perda de água, erosão, desabamentos e salinização", alerta o
cientista argentino.
Ações no Brasil
A Embrapa, ao lado do Tribunal de Contas da União (TCU), reuniu em 2012
em Brasília, autoridades brasileiras e mundiais durante três dias de
debates sobre solos. Na ocasião foi elaborada a Carta de Brasília, com recomendações aos tomadores de decisão sobre o manejo e conservação da terra.
Outra importante ação estratégica é a implementação do Programa
Nacional de Solos do Brasil (Pronasolos), que reúne um grupo de
especialistas a fim de criar instrumentos para a governança dos solos no
Brasil. O Programa é capitaneado pela Embrapa Solos atendendo a uma
resolução do TCU e envolve dez centros de pesquisa da Embrapa, quatro
universidades, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
De acordo com Maria de Lourdes Mendonça, o Pronasolos será um marco da
retomada do País no conhecimento mais detalhado de seus solos. O
Programa também possibilitará a construção e a gestão de uma
infraestrutura de dados de solos unificada, a formação e o resgate de
competências em pedologia, o fortalecimento das instituições envolvidas e
uma estratégia eficiente de transferência de tecnologias. A Embrapa
Solos procura parceiros privados para implantar o programa.
O documento elaborado pelos membros do projeto prevê a inclusão do
Pronasolos no Plano Plurianual do Mapa, com recursos diretos por meio de
uma Fundação e contratação, pela Embrapa, de equipe mínima permanente
de pedólogos. O programa ainda será incluído na nova Lei de Conservação
de Solos e Água.
Embrapa Solos
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