Conhecimento para Inovação na Pecuária de Corte



O fundador e ex-presidente da Embrapa, Eliseu Alves, fala muito sobre o impacto do conhecimento chamado “não cristalizado” ou, como ele mesmo define, “ao que está entre as orelhas”. Isso nos faz refletir sobre como as tecnologias geradas pela Embrapa Gado de Corte, em seus 42 anos, impactaram na pecuária de corte brasileira.

De fato, a inovação é mais facilmente observada quando o processo envolve um insumo tangível, “cristalizado”. De maneira geral, o intangível é difícil de perceber e mensurar. É neste contexto, entretanto, que tecnologias e conhecimentos foram disponibilizados pela Embrapa Gado de Corte desde a sua fundação. Apesar de produtos/insumos ou tecnologias “cristalizadas” terem sido lançadas no mercado nos últimos anos, como: as cultivares forrageiras dos gêneros Brachiaria, Panicum e Stylosanthes; o uso de touros melhoradores; a Balança de Passagem - Balpass; os testes de diagnósticos para doenças; e os sensores de temperatura corporal. Muitos dos principais avanços na pecuária bovina de corte devem-se a práticas e processos agropecuários lançados, as tecnologias “não-cristalizadas”.

O primeiro exemplo é o controle estratégico de parasitos. Ainda no século passado, precisamente maio de 1995, o Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Corte publicou o documento sobre controle estratégico da verminose bovina, de autoria dos pesquisadores Ivo Bianchin e Michael R. Honer, o qual explica como proceder para o controle estratégico da verminose em bovinos de corte. Desde então, o controle estratégico é realizado, em todo o País, seguindo tal recomendação. Neste período, vários produtos foram lançados para controle, mas o estratégico idealizado há mais de 20 anos, que por vezes é adaptado às novas condições, continua valendo.

Recentemente, os pecuaristas brasileiros passaram a sofrer com surtos de mosca-dos-estábulos, praga sem ainda um produto eficiente para combate. Assim, o manejo preventivo e o controle são realizados com base no conhecimento existente sobre a biologia do inseto. A transformação do conhecimento teórico em aplicações práticas foi que permitiu significativas intervenções nos sistemas produtivos capazes de minimizar os impactos causados pelos surtos.

Agora com um olhar para a produção animal, os trabalhos para consolidar o processo de melhoramento genético de bovinos de corte no Brasil contaram com a expressiva geração de conhecimentos e o desenvolvimento de ações pela Embrapa para colocar conceitos, como a diferença esperada na progênie (DEP) e a avaliação de touros jovens (ATJ) em prática. Hoje, tais conhecimentos são aplicados quase na totalidade dos criatórios e programas de melhoramento genético e são fundamentais para a evolução das principais raças utilizadas para a produção de carne bovina.

O embasamento inicial para a definição das práticas de suplementação alimentar de bovinos a pasto também passou pelos especialistas da Embrapa Gado de Corte, que auxiliaram na construção de uma indústria que movimenta, atualmente, mais de 13 bilhões de reais por ano.

Outro exemplo “não-cristalizado” envolve os inovadores sistemas integrados de produção, em todas as suas possíveis combinações. Eles aportam, além de aumento na produtividade, efeitos ambientais, sociais e econômicos aos sistemas convencionais. Com cerca de 12,5 milhões de hectares implantados, o sucesso de sua propagação nos cinco Biomas brasileiros não decorre estritamente da disponibilidade de tecnologias físicas (ou cristalizadas) específicas, como sementes, forrageiras adaptadas ao sombreamento, mudas de espécies arbóreas, adubos e implementos. De fato, o trabalho realizado pela Empresa gerando informações e transferindo-as aos produtores por meio de Unidades Tecnológicas de Referência (URT) é um fator primordial para sua expansão, tornando o Brasil um exemplo de intensificação sustentável em base tropical.

Neste contexto, valores intangíveis e de complexa percepção, como a mitigação dos efeitos climáticos adversos, a melhoria do microclima, o bem-estar animal, o aumento da biodiversidade, a mitigação das emissões dos gases de efeito estufa, a redução da pegada hídrica e a valorização da paisagem, constituem, também, aspectos positivos dos sistemas e impulsionam sua adoção e reconhecimento.

Por fim, a pecuária de corte brasileira está quase em sua totalidade baseada em pastagens como base alimentar e que foi com os novos materiais forrageiros, desenvolvidos a partir da década de 80, que a produtividade animal passou a crescer a taxas de 3,32% ao ano. No entanto, a troca da espécie forrageira por si só não determinará a melhoria na produtividade animal se outras práticas de manejo não forem adotadas para equilibrar o complexo solo-planta-animal.

A simples substituição por forrageiras “milagrosas”, tecnologias “cristalizadas”, sem práticas de manejo adequadas é responsável pela menor expansão e curta duração da vida das novas cultivares. A reposição de nutrientes e o manejo correto das pastagens, tecnologias “não-cristalizadas”, são premissas básicas para manter ou elevar a produtividade animal em sistemas pastoris. Em sistemas intensivos de produção utilizando pastos de capim-mombaça, por exemplo, é possível obter incrementos de 14 @/ha/ano com o correto manejo do pastejo aliado à reposição periódica de nutrientes.

Além de incrementos em produção animal, o manejo correto da pastagem contribui para uma pecuária mais eficiente, reduzindo a idade de abate dos animais em pastejo. No Bioma Cerrado, com manejo adequado e manutenção da fertilidade, é possível incrementar a lotação animal de 0,8 para 1,5 UA/ha. Tal incremento não só libera áreas para a agricultura como permite melhor uso da logística instalada.

Uma ressalva final, hoje todas as cultivares disponíveis apresentam limitações passíveis de aperfeiçoamento via melhoramento genético. Dentre os desafios para os programas de melhoramento de forrageiras tropicais estão a diversificação, a estacionalidade da produção e as pressões bióticas e abióticas. Concomitantemente, novos desafios se apresentam em decorrência da necessidade de elevação da produtividade animal a pasto, da especialização de sistemas de produção, da expansão ou da migração da pecuária para ambientes marginais e da maior expressão dos problemas fitossanitários nos agroecossistemas.

Lucimara Chiari, chefe-adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento

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