Entomologista da Embrapa fala das
características do inseto e seu comportamento ao dar suporte técnico
para plano de defesa fitossanitária no Brasil
O
início da semana, entre os dias 22 a 27 de junho,é foi marcada por
mensagens divulgadas em redes sociais e veículos de comunicação de
ocorrência de uma nuvem de gafanhotos, que invadiram lavouras agrícolas
argentinas. A grande preocupação do setor agropecuário brasileiro é a
chegada dos insetos ao Brasil. Até a quinta-feira, dia 25, os gafanhotos
estavam a 150 km de distância da fronteira brasileira. Já na
sexta-feira, dia 26, o risco de invasão do inseto diminuiu em função das
precipitações e principalmente da queda de temperatura. A Embrapa
possui especialistas e está ajudando um grupo de entidades ligadas ao
setor ao prestar informações técnicas do gafanhoto Schistocerca cancellata.
O entomologista Dori Edson Nava, representando o Núcleo de Fitossanidade da Embrapa Clima Temperado, unidade de pesquisas localizada em Pelotas/RS, tem prestado inúmeras entrevistas e esclarecimentos sobre o fato para veículos de comunicação, a nível nacional e internacional. Ele tem colaborado em explicar como isso ocorreu, como é o comportamento do inseto, e quais ações estão sendo adotadas pelos órgãos responsáveis pela defesa fitossanitária para atender o setor agropecuário e da população em geral.
Riscos de Invasão
Segundo o pesquisador, até a quinta-feira, dia 25, os dados recebidos
eram que a nuvem de insetos estava estacionada ´na Argentina,
na província de Corrientes e ao norte da província de Santa Fé. Com o
vento vindo da direção Sul, a tendência era de a nuvem se deslocar para o
centro de Santa Fé e para Córdoba. A presença de uma frente fria, que
chegou nesta região, mudou a direção dos ventos, soprando do Norte.
"Hoje, dia 26, o que se tem de previsão é que teoricamente eles estariam
estacionados sobre as províncias citadas e dificilmente levantariam
voo, uma vez que a temperatura está abaixo de 20ºC e, portanto, fazendo
com que tal fenômeno de formação da nuvem não volte a acontecer",
declarou.
Temperaturas quentes
Nava explica
que as temperaturas elevadas são um estímulo para que o inseto realize
essa migração. “A migração é estimulada pela falta de alimento, aliada
com temperaturas próxima de 30°C, pois eles precisam aquecer o corpo.
Como as temperaturas máximas devem se manter abaixo de 20º C, o risco
diminui consideravelmente", diz.
Regiões com possibilidade de invasão
Caso haja essa migração dos gafanhotos, as regiões a serem atingidas no
Brasil seriam a Fronteira Oeste do RS com a Argentina, nos municípios
de Uruguaiana e São Borja, ou pela Fronteira Sul, mas antes seria
necessário que o inseto invadisse o território uruguaio, para depois
migrar para o Rio Grande do Sul, através de cidades fronteiriças como
Quaraí e Santana do Livramento.
Culturas agrícolas em risco
O pesquisador informa que todas as culturas de grãos (arroz, milho,
soja, feijão) já foram colhidas no Estado gaúcho e o que há é o cultivo
de cereais de inverno, onde as plantas ainda são pequenas. "Nosso grande
problema seriam áreas de pastagens que são usadas para produção
pecuária", destacou. Conforme ele, o gafanhoto possui cerca de 400
hospedeiros e irá se alimentar de plantas cultivadas e nativas. "Ele não
irá selecionar, ele irá atacar o que houver de material vegetal
disponível, devido ao hábito voraz do inseto. A perda da pastagem ao que
tudo indica será total no local onde os insetos pousarem", explica.
Preparação dos produtores
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), junto com
as Secretarias de Agricultura dos estados do Rio Grande do Sul e de
Santa Catarina publicaram no Diário Oficial a portaria 201, de
24/06/2020, que se refere ao estado de emergência fitossanitária, o qual
prevê a elaboração de um plano para controle, tanto da utilização de
inseticidas – em caráter de urgência – quanto a métodos de aplicação.
“Caso a nuvem seja muito extensa, há a necessidade de realização de
aplicações com uso de aviões agrícolas, pois provavelmente ao pousar o
gafanhoto irá ocupar áreas acidentadas geograficamente", observa.
A Embrapa, através de seus pesquisadores, está disponibilizando o conhecimento técnico-científico para as entidades envolvidas neste planejamento de emergência fitossanitária. “Estamos prestando informações sobre o inseto, suas características e comportamento para que os métodos de controle e as formas de aplicação sejam adequadas e eficientes”, destaca.
A Embrapa possui uma coletânea de insetos para estudo e suporte técnico-científico no seu controle, que está armazenada e disponível para pesquisadores, no Laboratório de Entomologia. Nessa vitrine há exemplares desse gafanhoto migratório, que foi coletado em 1947, em Pelotas, quando o município teve uma invasão da nuvem de gafanhotos. Esse exemplar foi coletado pelo Dr. Andrej Bertels e está armazenado na coleção entomológica Andrej Bertels.
A nuvem de gafanhotos
É uma nuvem estimada em 10 km2, e que se encontra no momento
estacionada. Com as condições climáticas desfavoráveis para os
gafanhoto voltarem ao processo de migração, o que ocorrerá com os
gafanhotos é que morrerão pelas práticas de controle, ou serão fonte de
alimento para predadores, ou irão se dispersar localmente, podendo
formar nuvens menores ou mesmo se reproduzirem nesse local.
“Dificilmente, com temperaturas baixas haverá migração. Mas é necessário
o monitoramento dessa nuvem, porque caso volte a subir a temperatura,
eles voltarão a voar”, alerta.
A nuvem é considerada um fenômeno natural, embora extraordinário pelo fato de ocorrer de tempos em tempos. O local onde surgiu o gafanhoto foi no Tchaco Argentino e parte da Bolívia, sendo monitorada pelas autoridades fitossanitárias, as quais observaram o crescimento da população do gafanhoto. “Esse crescimento culminou em 2019. Como esse tipo de gafanhoto tem o hábito de se agregar, ele voa em grupos e formam essas nuvens. Provavelmente, o nível populacional desse inseto aumentou em função das condições climáticas favoráveis (altas temperaturas e pouca chuva, o suficiente para o crescimento das plantas que serviram de alimento). Assim, com uma grande quantidade de insetos, culminou com a falta de alimento e com as altas temperaturas, e ainda, as secas registradas nessa área, houve a necessidade deles migrarem em busca de alimento e condições para procriação, essa combinação de alta população, falta de alimento e condições climáticas favoráveis desencadeou o processo migratório”, argumentou.
O gafanhoto
Segundo Nava, o gafanhoto é do filo Artropoda, classe Insecta, ordem Orthoptera e família Acrididae. A espécie se chama Schistocerca cancelatta.
É conhecido como gafanhoto migratório sul americano, não tem cor
vistosa, podendo ter uma tonalidade marrom escura. Chegam a medir cerca
de 7 a 8cm, na fase adulta, já na fase jovem evoluem do tamanho de um
mosquito até atingir entre 4 e 5cm. Podem viver cerca de dois meses. Os
machos são menores que as fêmeas. Eles não são preocupação para o
aparecimento de doenças, não trazendo seu contato prejuízos para os
humanos. "Ele não ataca as pessoas. Pode ser, que caso a nuvem de
gafanhotos pouse num povoamento ou cidade, ele cause transtorno para as
pessoas andarem e para a movimentação dos veículos", esclarece. Esse
gafanhoto passa por três estágios de desenvolvimento: ovo, ninfa (jovem)
e adulto.
Ciclo de vida do inseto
As fêmeas
fazem a postura no solo e os ovos são colocados numa espécie de estojo,
chamado de ooteca (vários ovos colocados num mesmo local). Desses ovos,
eclodem as ninfas. As ninfas têm cinco instares de desenvolvimento.
Conforme avança o desenvolvimento das ninfas, há um aumento do consumo
de folhas. Elas consomem mais folhas que os adultos. No estágio jovem
eles não têm asas desenvolvidas mas possuem o terceiro par de pernas do
tipo saltatório (a locomoção é por meio de saltos), por isso a partir do
terceiro instar são chamadas de saltões, locomovendo-se por pequenas
distâncias. É nessa fase que se deve fazer o controle. “Sempre na fase
das ninfas e nunca na fase de adultos, porque esses emergem e acasalam e
se movimentam a longas distâncias, desfavorecendo as aplicações de
inseticida. As fêmeas podem colocar entre 100 a 150 ovos durante sua
vida", afirma o pesquisador.
Segundo ele, esses gafanhotos migratórios têm a capacidade de se agregar, diferentemente de outras espécies que vivem de forma solitária. Os adultos se alimentam de 400 espécies vegetais. Ao migrarem, os adultos podem chegar a percorrer cerca de 150 Km por dia, dependendo da velocidade do vento.
Controle dos gafanhotos
O controle desses gafanhotos deve ser preferencialmente realizado na
fase jovem. Na fase adulta, as aplicações de produtos devem ser
realizadas quando não estão em movimento. Existem inseticidas químicos e
biológicos que podem ser utilizados para o controle. "Em muitos casos
se utiliza aviões agrícolas para aplicação dos produtos devido aos
locais que os mesmos ficam, normalmente em áreas de difícil acesso". Ele
destaca que a aviação agrícola no Brasil surgiu em Pelotas/RS, quando o
Estado foi atingido por uma nuvem de gafanhotos, da mesma espécie,
vinda da Argentina, em 1947.
As unidades da Embrapa localizadas no Rio Grande do Sul, o MAPA (Superintendência do RS) e a Secretaria Especial da Presidência da República, estão em alerta máximo para, em caso de necessidade, prestar auxílio no combate da praga, por meio de monitoramento via satélite, treinamento em práticas de aplicação de inseticidas e uso da aviação agrícola .
Embrapa Clima Temperado
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