Nos últimos 30 anos, pastagens, grãos e citros deixaram de ocupar cerca de 1,5 milhão de hectares nas bacias dos rios Mogi-Guaçu e Pardo, no nordeste do estado de São Paulo. A cana-de-açúcar foi a lavoura que ocupou a maior parte desse espaço, já que ganhou cerca de 1,3 milhão de hectares. Mas outras culturas também conquistaram terreno na região: é o caso das florestas de eucalipto, de seringueiras e lavouras de cafés de alta qualidade. Cresceram, ainda, as áreas de florestas nativas, que hoje ocupam 20% do território – atrás apenas da cana.
O novo retrato da agricultura no nordeste paulista e os fatores que motivaram as mudanças estão em um estudo recentemente concluído pela Embrapa Territorial, que comparou imagens de satélite de 125 municípios, em uma área de 52 mil km², de 1988 até 2016. Os pesquisadores também foram a campo para conferir informações e levantar dados socioeconômicos que explicassem as mudanças e revelassem mais do que as imagens.
As áreas com culturas anuais – milho e soja, principalmente – regrediram e caíram de 936 mil para 352 mil hectares. A porção norte da área de estudo tinha mais da metade das terras ocupadas por esse tipo de lavoura no fim dos anos 1980. Atualmente, a parcela destinada a elas chega, no máximo, a 20% em alguns municípios. As culturas anuais ficaram concentradas em dois polos de agricultura irrigada, no entorno dos municípios de Casa Branca e Guaíra.
Busca por maior rentabilidade
Alternativas mais rentáveis do que os cultivos de sequeiro ganham espaço nessas condições, a exemplo da batata e da produção de sementes de soja e milho. Chama a atenção também o investimento em milho verde, para consumo humano, em vez do milho seco para o competitivo mercado de rações. “Com a irrigação, os agricultores antecipam a colheita com o milho verde e plantam, logo em seguida, feijão e, depois, batata, por exemplo. Fazendo isso, conseguem uma renda maior do que com a cana”, constata o pesquisador Carlos Cesar Ronquim, da Embrapa Territorial, que coordenou o estudo.
Não se tratou, contudo, de uma mudança promovida pelos agricultores para fazer frente ao avanço da cana. Os sítios e fazendas naquelas áreas já haviam investido na irrigação e mercados com maior valor de venda e, por isso, não tiveram interesse em ocupar áreas com cana-de-açúcar. “Esse agricultor utiliza tecnologia e está obtendo resultados porque consegue tirar três safras no ano”, esclarece o pesquisador.
As culturas anuais, especialmente a soja e o amendoim, também ganham espaço durante a renovação dos canaviais. A cada cinco anos, a cana precisa ser replantada e, no intervalo entre um plantio e outro, muitos proprietários ou usinas disponibilizam terreno para o cultivo de leguminosas. É uma área considerável, já que a cana-de-açúcar ocupa 2,2 milhões de hectares no nordeste paulista.
Para a soja, a produção é pouco significativa no contexto brasileiro, comparando-se às grandes lavouras do Centro-Oeste e de outras regiões. No caso do amendoim, porém, essa prática coloca o estado de São Paulo, de modo especial a cidade de Jaboticabal, no topo da produção nacional.
Pastagens encolheram e vegetação nativa aumentou
A área dedicada à pecuária foi, de longe, a que mais perdeu espaço no nordeste paulista. Há 30 anos, as pastagens estavam em primeiro lugar na ocupação de terras na região, cobrindo 27% da área rural. Em 2015, com 13% do espaço, aparecem atrás não só da cana-de-açúcar, mas também das reservas de vegetação nativa.
No caso da pecuária de leite, a oportunidade de rendimentos com o arrendamento para a cana-de-açúcar chegou no momento em que os produtores e cooperativas paulistas encontravam dificuldade para concorrer com outras regiões do País. Até a introdução da tecnologia do leite longa vida, na década de 1990, eles não sofriam concorrência com outros estados, já que o prazo de validade do produto era muito curto. Com o “leite de caixinha”, a situação mudou, segundo explica o cientista da Embrapa.
A maior parte dos pecuaristas que conseguiram se manter no setor leiteiro são pequenos. Isso porque o tamanho reduzido das propriedades dificulta a logística das usinas, que não se interessam por arrendá-las. Além disso, costumam dispor de mão de obra familiar e evitam os custos da contratação de funcionários. A adoção de sistemas específicos para suas condições, como o do projeto Balde Cheio, da Embrapa, também contribuiu para que muitos se mantivessem na atividade. Poucos produtores de médio e grande porte optaram por permanecer no segmento. Os que o fizeram investiram fortemente em tecnologias de otimização, escala e controle da produção, observa Ronquim.
Criadores de gado para abate também deixaram áreas no nordeste de São Paulo e migraram para regiões de fronteira com terras mais baratas. Quem permanece normalmente investe na intensificação da produção, com práticas de confinamento e semiconfinamento.
Novo panorama dos citros
A queda na área de citros ultrapassou os 180 mil hectares, mas, ainda assim, foi significativamente menor do que a dos grãos (584 mil ha) e a de pastagens (700 mil ha). Os baixos rendimentos, a necessidade da colheita manual e as dificuldades de combate às doenças que acometem os pomares, especialmente o greening, são os principais fatores que levaram muitos agricultores a desistirem da citricultura. Cidades, antes grandes produtoras, como Bebedouro e Itápolis, hoje têm a maior parte do território ocupada pela cana-de-açúcar.
Ainda assim, a produção total das frutas na região manteve-se estável, graças aos ganhos de produtividade. O maior rendimento dos pomares pode ser creditado à adoção de técnicas de manejo, principalmente por meio do adensamento nos novos plantios. Em 1980, havia, em média, 360 pés de laranja por hectare; atualmente, a densidade passou para 668 plantas, segundo dados do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus). De modo geral, há uma concentração da produção em grandes propriedades.
Alguns municípios foram na contramão da tendência de queda de área e ampliaram os pomares de citros, de olho no mercado de frutas in natura dos grandes centros urbanos de que estão próximos. É o caso de Mogi Mirim, Mogi Guaçu, Casa Branca e Conchal.
Hegemonia da cana
A expansão mais significativa é a da cana-de-açúcar, que cobre 44% das terras no nordeste paulista. Na região, o setor foi responsável por metade de todo o valor de produção agropecuária, que atingiu R$ 9,5 bilhões em 2016. A participação é maior do que a média estadual, que é de 35%. Apenas cinco dos 125 municípios estudados não possuem canaviais: Águas de Lindoia, Lindoia, Águas da Prata, Santo Antônio do Jardim e Divinolândia. Nos outros 120, o volume de terras cultivado com cana aumentou. A exceção é Ribeirão Preto, onde a atividade cedeu espaço para a expansão urbana.
Em números absolutos, as áreas de vegetação nativa são as que mais cresceram, depois da cana. Elas já ocupavam 870 mil hectares e, agora, chegam perto de um milhão de hectares. O pesquisador da Embrapa aponta que esse aumento não se deu por plantio, mas por regeneração espontânea e, timidamente, pela melhor conservação das áreas de preservação permanente.
Para os próximos anos, a expectativa é de mais crescimento, tendo em vista o novo Código Florestal e a proibição da colheita manual da cana, o que, na prática, inviabiliza a produção em áreas com declividade acima de 12%. O monitoramento por satélite revela 150 mil hectares de canaviais nessa condição, o equivalente a 7,1% da área das bacias analisadas.
As florestas plantadas também aumentaram: 17 mil novos hectares para o eucalipto e perto de 12 mil para as seringueiras. Essas últimas tiveram o crescimento relativo mais expressivo, já que, em 1988, ocupavam menos de 200 hectares. Mesmo com esse salto, a heveicultura segue pouco expressiva na região. O eucalipto chegou a 157 mil hectares, mas também tem pouca participação do valor de produção agropecuária, ficando à frente apenas da pecuária leiteira.
Potencial para avanço de cafés especiais
O que surpreendeu os pesquisadores foi a expansão do café: a área quase dobrou, passando de 67 mil para 123 mil hectares. O fenômeno se deu na região da Mogiana, próxima a Minas Gerais, com destaque para Pedregulho, Caconde, Franca e Cristais Paulista. Nos 26 principais municípios produtores de café, localizados no leste da região de estudo, foi observada uma área de café de 114.367 ha, o que representa cerca de 90% de toda a produção cafeeira da região de estudo e mais de 50% da produção de café no estado de São Paulo. Em visita ao local, a equipe constatou que o investimento se deu na produção de cafés especiais, que são favorecidos pelo relevo e clima da região. Cerca de 90% desses cafezais estão em terrenos com altitude superior a 800 metros. “O café de qualidade produzido tem maior valor no mercado. Com a margem de lucro ampliada, os produtores conseguem permanecer na atividade e até expandir as plantações”, analisa Ronquim.
O estudo da Embrapa Territorial mostra que a região tem potencial para novos avanços de cafezais, já que há muitas pastagens em altitude elevada, em terrenos com declividade inferior a 20%. O cenário econômico também é favorável: o consumo de café cresce internacionalmente, sendo o Brasil o segundo maior mercado do mundo.
A Embrapa encaminhou os mapas comparativos da ocupação das áreas rurais para as casas da agricultura dos 125 municípios do estudo. Para Ronquim, acompanhar e compreender a dinâmica da agricultura pode ajudar o planejamento dos governos locais e das cooperativas.
Vivian Chies (MTb 42.643/SP)
Embrapa Territorial
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